quarta-feira, 26 de agosto de 2009

LUZ E SOMBRA


Todos nós fazemos parte de UM TODO. Esse TODO infunde tudo o que existe no Universo. Por isto mesmo, nós temos natureza e origem comuns – divina - que nos congrega, abraça e impulsiona. Porém, a nossa limitada consciência não pode apreender essa origem divina (esse TODO); ela pode apenas interpretá-la. Como diz Jean-Yves Leloup, o homem está condenado a interpretar o Universo, e aí reside o seu Livre Arbítrio. E, quanto mais consciência ele tiver da relatividade de suas afirmações, menos perigoso ele será para si mesmo e para os outros. Quanto mais “certeza” ele tiver dessa interpretação, maior fanatismo ele terá em suas palavras e atos, e, conseqüentemente, mais ele condenará aqueles que não comungarem de suas crenças. Poderíamos, como sugerem Jerry e Esther Ricks, comparar o Universo a uma cozinha com uma imensa despensa. Se a pessoa deseja fazer uma torta de maçã, buscará e achará maçãs, canela, açúcar e os demais ingredientes necessários para a mesma. Algumas pessoas fazem essa torta e ficam tão contentes com a mesma, que não conseguirão ver sentido em que outras pessoas procurem na despensa, por exemplo, um molho de pimenta para sua moqueca, já que este não combina com a torta de maçã, que é tão saborosa. Então dirão que as outras pessoas estão erradas, que são más ou ignorantes... Se essas outras pessoas não estiverem atentas ao que querem ou forem tolas o suficiente para ouvir e se deixar influenciar com os comentários das primeiras, provavelmente deixarão de lado o seu molho de pimenta e renunciarão à sua moqueca de camarão... Esse “elo comum”, essa origem divina comum é quem nos fornece as intuições, as sincronicidades, e, também, o nosso lado sombrio (a Sombra identificada por Carl Gustav Jung, que é comum a todos os seres humanos). Então, a base sobre a qual nossa vida é manifestada e experienciada, como tudo no Universo, tem duas polaridades: bem e mal, negativo e positivo, ativo e passivo, luz e sombra, etc. Quanto maior for o medo e a vergonha que cada pessoa tiver desse seu lado sombrio, tanto maior será o esforço que fará para encobri-lo, negá-lo ou mesmo projetá-lo nas outras pessoas, a quem acusará veementemente. É muito comum encontrarmos pessoas que se incomodam, e muito, com algum comportamento apresentado alguém, sem que esse mesmo comportamento afete outras pessoas. Por que isto acontece? Porque esse comportamento remete a pessoa incomodada para o seu lado sombrio, para a sua imperfeição. Quando tomamos consciência desse nosso lado sombrio, quando admitimos que aspectos negativos fazem parte da nossa personalidade, quando, em vez de negá-los ou escondê-los assumimos a sua existência e os confrontamos, menos estamos sujeitos à sua influência e menos os projetamos nos outros (Aristóteles, grande filósofo grego, dizia que cada pessoa tem dentro de si mesmo um bom estoque daquilo que condena nos outros). A existência nos apresenta infinitas situações de aprendizado, de crescimento, de bem-aventurança, de realização. Tudo conspira para isso, é nosso desígnio -mais cedo ou mais tarde-, chegarmos à destinação final de nossa viagem aqui na Terra, transpondo com sucesso a intensa jornada que se iniciou num ato de amor de nossos pais. As várias fases, as etapas obrigatórias, se sucedem com o decorrer do tempo; estudamos, aprendemos a nos relacionar, a conviver com o meio. Nessa caminhada, às vezes achamos que já vencemos o desafio principal de evoluir como ser humano engajado e consciente. No entanto, mesmo com tanto pensamento positivo, atitudes corretas e amorosas, busca permanente de desenvolvimento, precisamos lembrar de que ainda existe em nosso ser esse lado sombrio, sempre à espreita. É ilusão pensar que nosso lado irracional, escondido em nossa psique, desapareceu como que por encanto, num passe de mágica, somente por acharmos que já somos donos de nossa vida, de nosso destino, que passamos finalmente de fase. Ela, a nossa Sombra, está lá dentro hibernando, aguardando que situações de conflito, frustrações e culpas acordem o ser ainda primitivo que habita em nós. Para que essa força detone nossa calma, nossa harmonia pode bastar uma fechada no trânsito, uma demora em receber um serviço, um não quando esperávamos um sim... Em suma, existe uma enorme quantidade de fatores externos sobre os quais, aparentemente, não temos controle, que pode nos colocar reféns da Sombra. Quando este ser primitivo se faz presente, ao despertar bruscamente sua fúria, o resultado será sempre nefasto e, mesmo que nada de realmente grave tenha ocorrido, afetaremos profundamente a nós mesmos e a quem nos acompanha. Quebraremos uma atmosfera de harmonia, como se fosse a queda de um raio; seguindo-se um silêncio carregado de culpa e arrependimento. O estrago está feito, e nem sempre será possível consertar o que se quebrou. Porém, devemos considerar, também, que estas explosões, em algumas pessoas raras e passageiras, em outras, mais freqüentes e, às vezes, devastadoras, ao revelar traços reais que ainda nos pertencem, sirvam, na realidade, para que ao confrontá-los, possamos nos livrar de sua tirania, mudando mais e mais nosso modo de ser e de viver. Infelizmente, todas as vezes que evitamos um contato mais profundo e honesto, desviando-nos de reconhecer essa parte obscura, nos afastamos do Centro e passamos a nos defender da vida, em vez de viver verdadeiramente, sem o medo da solidão e da rejeição... Há um ditado que diz ser melhor ter um esqueleto (nosso lado obscuro) sentado na sala de estar do que bem escondido dentro de um armário no sótão... Sim, precisamos fazer uma conexão clara com o nosso lado irracional, essa parcela nossa oculta e perigosa que quase todos os habitantes do planeta, conscientemente ou não, em maior ou menor grau, compartilham; um conflito doloroso que vem desde os primórdios e que de pronto faz emergir uma vontade irracional de devastar, de descarregar a raiva, a ira destrutiva. que deve ser compreendida em toda sua extensão, confrontada e enfrentada com coragem e decididamente. No momento em que, atravessando o medo ou a conveniência, não mais precisarmos negar esse nosso aspecto maléfico poderemos lidar de verdade com suas sérias implicações, abandonando os julgamentos que fazemos dos outros, que, como já dissemos acima, Jung chamou de “projeção”.
Créditos: Especial Stum, por Sérgio Stum; O Universo Conspira a seu Favor, por Jerry e Esther Ricks; Além da Luz e da Sombra por Jean-Yves Leloup.